quinta-feira, 31 de março de 2011

para saber usar o hífen – parte II

Pois é, as novas regras para o uso do hífen trouxeram monstrinhos como autorretrato, antirracismo, neorrepublicano, corresponsável, semirreta ou mesmo micro-ondas. Os olhos estranham, mas o jeito é se acostumar. Aqui embaixo vão as regras gerais, que são dez:
  1. usa-se o hífen antes de palavra começada por H.
Exemplos: anti-higiênico, anti-histórico, macro-história, mini-hotel, sobre-humano, super-homem, ultra-humano, anti-herói, supra-hepático, neo-helênico.
Exceção: se o prefixo for DES, DIS, IN, PRO, CO, PRE, RE e TRANS não se usa o hífen. Exemplo: coabitação, inábil, desumano, inabitual, coerdeiro (ver regra número 10).
  1. usa-se o hífen se o prefixo terminar com a mesma letra do início da próxima palavra.
Exemplos: micro-ondas, anti-inflacionário, sub-bibliotecário, inter-regional, anti-inflamatório, hiper-realista, arqui-inimigo, micro-ônibus, inter-racial, super-resistente, ultra-absorvente, contra-ataque.
Exceção: se o prefixo for DES, DIS, IN, PRO, CO, PRE, RE e TRANS não se usa o hífen. Exemplos: preexistente, preelaborar, reescrever, reedição, reestruturar, coobrigação, cooperar, coordenador, reeleger, desserviço, transexual, dissenso, inacionalidade, proótico (ver regra número 10).
  1. usa-se o hífen sempre quando o prefixo for ex, sem, aquém, além, recém, pós, pré, pró, soto/sota, grão/grã ou vice.
Exemplos: vice-rei, além-mar, além-túmulo, ex-aluno, pós-graduação, pré-história, recém-nascido, sem-terra, pré-nupcial, soto-almirante, soto-general, sota-ministro, grã-fino, grão-duque.
  1. usa-se o hífen quando o último elemento é de origem tupi-guarani (açu, guaçu, mirim) e adjetive o anterior.
Exemplos: capim-açu, amoré-guaçu, anajá-mirim, açaí-mirim, araçá-guaçu, mutum-açu.
  1. usa-se o hífen com euro, indo, sino, franco, anglo, luso, afro, ásio etc. quando se trata da soma de duas ou mais identidades.
Exemplos: euro-africano, euro-afro-americano, indo-português, anglo-americano, franco-suíço, sino-japonês, ásio-europeu, luso-árabe
Exceção: quando só adjetivam o outro elemento, o hífen cai. Exemplos: eurocomunista, afrolatria, francofobia, sinofilia, lusofilia.
  1. usa-se o hífen para ligar duas ou mais palavras que ocasionalmente são combinadas para formar um encadeamento vocabular.
Exemplos: ponte Rio-Niterói, tratado Angola-Brasil, eixo Rio-São Paulo, percurso Lisboa-Coimbra-Porto, estrada Londrina-Maringá.
  1. usa-se o hífen nos nomes próprios de lugares ou acidentes geográficos iniciados por GRÃ/GRÃO, verbo ou cujos elementos estejam ligados por artigo.
Exemplos: Grão-Pará, Grã-Bretanha, Passa-Quatro, Quebra-Dentes, Baía de Todos-os-Santos, Trás-os-Montes.
  • Os demais topônimos são escritos separados e sem hífen, como, por exemplo, América do Sul, Cabo Verde. Exceção: Guiné-Bissau e Timor-Leste.
  1. não se usa o hífen se o prefixo terminar com letra diferente daquela do início da outra palavra.
Exemplos: autoescola, antiaéreo, antialérgico, infraestrutura, intermunicipal, supersônico, superinteressante, agroindustrial, aeroespacial, semicírculo, antiestético, contraindicação, extraoficial, hipermercado, semiárido, supracitado, intrauterino, autoaprendizagem, hidroelétrico, semiextensivo, pseudoatleta, anticristo, extravirgem.
Observação: se o prefixo terminar com vogal e o outro elemento começar com R ou S, essas letras são dobradas.
Exemplos: minissaia, antirracismo, antissocial, ultrassom, semirreta, arquissecular, antessala, neorrepublicano, antirracional, eletrossiderurgia, microssistema, contrarregra, extrarregular, arquirrival, ultrarromântico, suprarrenal, antirrugas, suprassumo.
Exceção 1: se o prefixo for SUB, SOB, AB, OB ou AD, o hífen vai ser usado se a próxima palavra começar com R. Exemplos: sub-região, sub-reitor, sub-regional, sob-roda, sub-regente, ad-digital, ad-renal, ob-rogar, ab-rogar. No caso de ab-rupto/abrupto, são aceitas as duas formas. No caso de adrenalina, só se escreve sem hífen.
Exceção 2: se o prefixo for CIRCUM ou PAN, o hífen vai ser usado se a próxima palavra começar com M, N, H ou vogal. Exemplos: circum-murado, circum-navegação, pan-americano, pan-islamismo, circum-hospitalar
Caso contrário, junta tudo: pansexual, circumpercurso.
  1. não se usa o hífen na formação de palavras com NÃO ou QUASE.
Exemplos: não agressão, não governamental, quase delito.
  1. não se usa o hífen com os prefixos DES, DIS, IN, PRO, CO, PRE, RE e TRANS. Se o próximo elemento começar com H, ele é cortado. No caso de PRO E CO, se o próximo elemento começar com R ou S, essas letras são dobradas.
Exemplos: desumano, desserviço, dissenso, inábil, inabitual, inacionalidade, desregrado, transamazônico, transexualidade, desrespeitar, procônsul, procurvado, proótico, prorromper, prosseguir, prossignatário, preexistente, preelaborar, reescrever, reedição, reestruturar, coobrigação, cooperar, coordenador, reeleger, coobrigação, coedição, cofundador, coabitação, coerdeiro, corréu, corresponsável, cosseno.

segunda-feira, 28 de março de 2011

a queda do hífen – parte I

Pois é, ele caiu transformando muita palavra. Algumas das principais quedas foram em paraquedas (paraquedista/paraquedismo), mandachuva, dia a dia, fim de semana, mão de obra, pôr do sol, lua de mel, pão de ló, tão somente, à toa, mestre de obras, camisa de força, ponto de venda, mula sem cabeça, ponto e vírgula, pé de chinelo, pé de moleque, (cor de/política do) café com leite, café da manhã, pé de pato, pó de mico, cara de pau, pé de cabra, dona de casa, maria vai com as outras, bumba meu boi, disse me disse, tomara que caia.
No entanto, permanecem com hífen: vaga-lume, guarda-chuva, salário-mínimo, cata-vento, cor-de-rosa, ar-condicionado, vale-transporte, palavra-chave, tio-avô, bel-prazer, conta-gotas, decreto-lei, bem-me-quer, arco-íris, boa-fé, joão-ninguém, mesa-redonda, segunda-feira, pé-de-meia, arco-da-velha, mais-que-perfeito, água-de-colônia, à queima-roupa, ao deus-dará,  cara-pálida etc. Em gota-d’água e em todas as palavras compostas com apóstrofo também o hífen permanece: caixa-d’água, estrela-d'alva, mãe-d’água, mestre-d’armas, olho-d’água, pau-d’alho, pau-d’arco.
O porquê disso só Deus sabe.

hífen para repetições

Pelo novo acordo ortográfico, o hífen vai aparecer sempre que houver palavras compostas com elementos repetidos ou que tenham quase o mesmo som, como é o caso de blá-blá-blá, reco-reco, tique-taque, zigue-zague, pega-pega, pingue-pongue, esconde-esconde, tico-tico, cri-cri, ti-ti-ti, tum-dum-dum, zum-zum, lenga-lenga, quebra-quebra, corre-corre, zás-trás etc.
No caso de ziguezaguear, por exemplo, que é derivado de zigue-zague, o hífen se perde no meio do caminho.

hífen para plantas e animais

Outra coisa que a nova ortografia trouxe foi que o hífen vai sempre ligar palavras compostas que se referirem a espécies botânicas e zoológicas. Ou seja, qualquer espécie de árvore, fruta, alga, ervas etc. e de animais vai ter o hifenzinho se for composta.
Para isso, existem milhares de exemplos. Para citar alguns: urso-polar, uva-passa, erva-doce, bem-te-vi, joão-de-barro, capim-santo, erva-de-santa-maria, cana-de-açúcar, feijão-verde, andorinha-do-mar, cobra-d’água, banana-nanica, porco-da-índia, tangerina-cravo, ipê-amarelo, galinha-d’angola, mico-leão-de-cara-dourada, couve-de-bruxelas, laranja-pêra, alecrim-do-mato, açafrão-da-índia, araçá-do-campo, macaco-prego. E por aí vai.
A única exceção é com “malmequer”, um outro nome dado à margarida.

domingo, 27 de março de 2011

bem-vindo à confusão

A última reforma ortográfica mexeu aqui e acolá, mas não derrubou o “bem-vindo”. A palavra continua assim mesmo, com hífen.
Aliás, diz a nova regra que: quando o primeiro elemento da palavra for MAL, ela recebe o hífen se o segundo elemento começar por vogal ou H. Exemplos: mal-estar, mal-apanhado, mal-habituado, mal-afortunado, mal-olhado, mal-agradecido, mal-adaptado, mal-educado, mal-humorado. De resto, vai tudo sem hífen: malnascido, malservido, malcriado, malcozido, malconservado, malcheiroso, maldormido. A exceção é quando MAL significar “doença” – neste caso, o hífen é usado: mal-francês. No entanto, se houver um elemento de ligação, o hífen cai, como em “mal de lázaro”, “mal de Alzheimer” ou “mal de sete dias”.
Quanto a BEM, os hifens geralmente são mantidos e só se perdem em casos extremos: como em benfeito, para acompanhar benfeitor, que já era sem hífen (assim como benquisto). Não existe mais bem-feito, portanto. Em alguns casos, aceitam-se as formações com ou sem hífen (neste caso, o BEM vira BEN): bem-querido/benquerido, bem-querença/ benquerença, bem-fazer/benfazer, bem-querer/benquerer, bem-dizer/bendizer. Note-se que nesses casos a aglutinação é aceita porque os elementos “se dão bem” juntos, a aglutinação não é estranha, diferentemente de bem-sucedido, bem-intencionado, bem-ido, bem-mandado, bem-aventurado, bem-humorado, bem-apanhado, bem-casado, bem-estar, bem-dormido, bem-visto, bem-vestido, que são aceitos apenas com hífen, já que seria estranhíssimo bemido, bemestar, benvestido, bensucedido.

meteorologia, disenteria, pichar

Vamos acabar com três enganos numa cajadada só. Pense em METEORO e não se esqueça mais: é METEOROlogia, e não metereologia (aliás, não existe nenhuma palavra com “metere”). É isso, tem sempre METEORO antes. Fica a dica.
Quanto a “disenteria”, vale a dica da minha chefe: a palavra vem do grego “énteron”, que significa “intestino”. Aliás, em português, na área de zoologia, a palavra “ênteron” quer dizer “tubo digestivo”. Sabendo disso, podemos pensar em disenteria como uma disfunção do intestino (énteron). Quem souber disso nunca mais escreve ou fala “desinteria”.
Pixar não existe. Então é só pichar mesmo. Aquele que picha é o “pichador”. Pichar vem de “piche” e quer dizer tanto “pintar com piche” quando “falar mal de alguém”. É isso aí.

quinta-feira, 24 de março de 2011

os hermafroditas da língua

Há também o caso de suéter, usucapião, xérox (ou xerox), própolis (ou própole), diabete (ou diabetes), laringe e personagem, para os quais tanto faz serem antecedidos por “a” ou “o”, não faz nenhuma diferença. Podemos apontar para um suéter ou para uma suéter, que não há qualquer problema, o/a suéter não tem sexo e não ficará chateado/a. “Cólera”, quando se referir à doença, aceita tanto “o” quanto “a”, mas atenção: quando for sinônimo de “fúria” só aceita “a”.
Para completar toda essa pluralidade de possibilidades, vale falar também que existem aqueles substantivos que podem ser tanto ele quanto ela. Temos, como exemplo, sabiá, médium, protagonista, sósia, líder, porta-voz, puxa-saco, xerife, xereta, atleta, patriota, jovem etc. Todas aceitam tanto “o” ou “a”, ou seja, podem se referir tanto a ele quanto a ela e o artigo tem de concordar com este. Se estivermos falando de Maria, diremos “a jovem”, e nunca “o jovem”, logicamente, assimi como se estivermos falando de Chico Xavier, diremos “o médium”.
Mas não para por aí, logicamente. Há ainda aquelas palavrinhas que mudam o significado dependendo do artigo que as antecede. “O caixa” do supermercado é um funcionário e “a caixa” é um objeto, geralmente de papelão ou madeira. Podemos falar “da capital” de um estado ou “do capital” de uma empresa. Ou “do guarda” de trânsito ou noturno – que é diferente “da guarda” municipal (que se refere à corporação). “O guia” é aquele que nos leva para conhecer um lugar, enquanto “a guia” é um documento, um formulário, ou mesmo o meio-fio. “O moral” é o estado de espírito de alguém (que pode estar com o moral alto ou baixo), enquanto “a moral” se refere à ética ou pode ser conclusão que se tira de uma história.
Exemplo clássico é o de “grama”. “A grama” é verdinha e às vezes vem com uma plaquinha onde se lê “não pise na grama”. “O grama” é uma unidade de medida de massa. A balança marca quantos gramas de presunto ou de salame você vai levar. E na embalagem de macarrão você também vai ler: “quinhentos gramas” (e não quinhentas).

parece ele, mas é ela

Já que falei dos substantivos travestis, vale lembrar que o contrário também acontece: o de substantivos que têm jeitão de homem, mas que são femininos. É o caso, por exemplo, de “sentinela” e “mascote”. É sempre “a sentinela” e “a mascote”, por mais esquisito que possa parecer.
No mesmo time jogam “a grafite”, “a echarpe”, “a agravante”, “a quitinete”, “a patinete”, “a ioga”, “a libido”, “a cal”, “a couve” (e também “a couve-flor”), “a comichão”, “a alface”, “a cedilha”, “a omelete” e “a bacanal”. Então, pense bem antes de ir a “um bacanal no quitinete” ou de comer “um alface e um couve-flor”. Não esqueça que tudo isso faz parte do mesmo gênero: o feminino.

os travestis da língua

O mundo dos substantivos é como esse mundo em que a gente vive: tá cheio de coisas que a gente acha que são, mas não são. Muito masculino que a gente jura que é feminino e vice-versa. Pode parecer estranho no começo, mas o costume faz a estranheza e o preconceito desaparecerem.
Um dos mais famosos travestis é “dó”, masculino no RG, mas que tem cara de mulher. O substantivo “amálgama”, por exemplo, também parece feminino, mas nããão. É “o” amálgama, assim como “o” dó. Cônjuge, algoz, gênio, carrasco, anjo, gigante, herpes, champanhe (ou champanha), pé-frio, pivô, vernissage, é tudo travesti mesmo. Do gênero masculino. Então não dá pra dizer “a carrasca”, “a anja”, “a gênia”, “a gigante”, e por aí vai.
Isso sem falar em “cataclismo” (que, entre outras coisas, quer dizer desastre, terremoto), que também é masculino e vive sendo chamado de “cataclisma” por aí. Do mesmo jeito como em “somatório”, que é chamado sempre de “somatória” (a maioria dos dicionários só registra mesmo “somatório”, pode conferir). O trema foi abolido na nossa língua, mas continua sendo ele, masculino mesmo, como “milhar” – portanto, nada de “a trema” e “as milhares”.